Cálculo Fracionário – Teoria, métodos e aplicações
Nelson H. T. Lemes
Um pouco de Cálculo Fracionário:
O Cálculo Diferencial e Integral de ordem inteira, ou simplesmente Cálculo Diferencial e Integral, ou ainda apenas Cálculo, é um ramo do que se conhece como Análise, um dos pilares da Matemática. Ele representa uma parte fundamental da Matemática e da alfabetização científica de todos os cientistas, tendo moldado a sociedade como a conhecemos hoje.
O Cálculo aborda duas questões fundamentais que estão na origem dessa disciplina: o cálculo de áreas e o problema de encontrar tangentes a curvas, este último relacionado a questões de máximos e mínimos. Os conceitos de derivada e integral têm aplicações em praticamente todas as áreas das ciências, sendo estudados desde os primeiros anos de diversos cursos universitários. Daí se percebe a importância, a força e a abrangência das ideias discutidas nessa disciplina.
As ideias de Newton foram publicadas na obra intitulada Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, em 1687, certamente uma das mais fundamentais na história da ciência. Em 1736 (após sua morte), foi publicada a obra Method of Fluxions, concluída em 1671. “Fluxion” é o termo que Newton utilizou para se referir ao que hoje denominamos derivada. Na época, Newton e Leibniz se envolveram em uma disputa pela primazia na invenção do Cálculo Integral e Diferencial. Leibniz desenvolveu suas ideias entre 1673 e 1676, publicando seus resultados em 1684 no artigo intitulado Nova Methodus pro Maximis et Minimis, na revista Acta Eruditorum. Newton elaborou suas ideias provavelmente em 1666, publicando-as em 1687.
Apesar da intensa disputa pela autoria do Cálculo que ocorreu no século XVII, hoje existe consenso entre os historiadores de que ele foi criado, de maneira independente, por Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). É claro que se pode considerar uma evolução de ideias, passando por diversos nomes importantes como Euler, Lagrange, Cauchy, Weierstrass e Riemann, entre outros, que culminaram nas contribuições de Newton e Leibniz. No entanto, o papel decisivo desses dois na história do Cálculo Integral e Diferencial é indiscutível.
A notação usual $ para a -ésima derivada de em relação a , onde é um inteiro positivo, foi introduzida por Leibniz e é bastante difundida nos livros universitários. Leibniz também introduziu o símbolo de integral que usamos hoje, um S alongado, derivado da primeira letra da palavra latina summa. No trabalho de Newton, de 1687, as mesmas ideias são expostas de maneira mais geométrica e menos acessível.
Em 1696, o marquês de L’Hôpital publicou o que é considerado o primeiro livro-texto de Cálculo Integral e Diferencial, intitulado Analyse des Infiniment Petits pour l’Intelligence des Lignes Courbes. A primeira referência à possibilidade de ser um número não inteiro surge em uma troca de correspondência entre Leibniz e o marquês de L’Hôpital (1661–1704). Em resposta ao marquês de L’Hôpital, em uma carta de 30 de setembro de 1695, Leibniz argumenta sobre as possibilidades de e escreve: “Il y a de l’apparence qu’on tirera un jour des consequences bien utiles de ces paradoxes, car il n’y a gueres de paradoxes sans utilité.” Para muitos historiadores, esta carta de Leibniz para L’Hôpital marca o ano do nascimento do Cálculo Fracionário.”Parece que um dia obteremos consequências bastante úteis desses paradoxos, pois raramente há paradoxos sem utilidade”, texto original retirado de [https://leibniz.uni-goettingen.de/files/pdf/Leibniz-Edition-III-6.pdf].
A questão colocada por Leibniz sobre a derivada fracionária tornou-se um tópico de pesquisa por mais de 325 anos, e muitos matemáticos importantes contribuíram para essa teoria ao longo dos anos, como Euler, Liouville, Fourier, Abel, Riemann e Weyl, apenas para citar alguns. Nos últimos 325 anos, a questão se estendeu para além dos números fracionários (ou racionais, por exemplo, ), sendo também colocada para irracional (como ) ou complexo (como ). Neste sentido, apesar do uso consagrado do termo Cálculo Fracionário, seria mais preciso referir-se ao assunto como Cálculo de Ordem Não Inteira. Também é comum o uso dos termos Cálculo de Ordem Arbitrária ou Cálculo de Ordem Generalizada. Portanto, Cálculo Fracionário é o nome dado à teoria que unifica e generaliza a noção de derivada de ordem inteira e de integral de -ésima ordem, com inteiro (), para ordens não inteiras, em que .
Apesar de uma história que remonta ao ano de 1695, apenas recentemente houve um interesse significativo pelo tema. Questões fundamentais ainda permanecem em aberto, como: Se é uma função, definida de em , como podemos definir $ para ? O que significa, do ponto de vista físico ou geométrico, $? Como a derivada fracionária surge na descrição dos problemas químicos? Quais são as características e propriedades desses operadores? Será que um fenômeno químico pode ser melhor descrito pelo uso de derivadas fracionárias? Como podemos caracterizar um “fenômeno fracionário”?
O segundo momento marcante na história do Cálculo Fracionário ocorreu em 1974, com a realização do primeiro evento científico exclusivamente dedicado a este tópico (International Conference on Fractional Calculus and Applications, nos Estados Unidos). Os objetivos da conferência eram transmitir e trocar informações na área, sugerir áreas de pesquisa, explorar possíveis usos desse ramo nas ciências matemáticas e tentar descobrir novos métodos formais para representar fenômenos físicos por meio de modelos matemáticos que pudessem ser tratados com o cálculo fracionário, além, é claro, de popularizar a área. Os resultados da conferência foram reunidos no livro “Fractional Calculus and Its Applications“, editado por Kenneth S. Miller e publicado na série Lecture Notes in Mathematics (volume 457) pela Springer em 1975.
O primeiro livro sobre o assunto, The Fractional Calculus: Theory and Applications of Differentiation and Integration to Arbitrary Order, de K. B. Oldham\footnote{Veja a referência: SPANIER, Jerome. Professor Oldham’s contributions to applied mathematics: a tribute on the occasion of his 80th birthday. Journal of Solid State Electrochemistry: Current Research and Development in Science and Technology, v. 13, n. 4, p. 509–514, 2009.[https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9733907/] (químico) e J. Spanier, foi publicado em 1974. Este livro é considerado um marco fundamental no desenvolvimento e na divulgação da teoria do cálculo fracionário. Posteriormente, no início da década de 90 do século XX, o Cálculo Fracionário ganhou um novo impulso, com um avanço significativo na aplicação de suas ferramentas em diversas áreas da ciência.
A primeira tese de doutorado dedicada ao Cálculo Fracionário no Brasil foi defendida em 2009 por Rubens F. Camargo sob a orientação de Edmundo C. de Oliveira. O primeiro livro em português dedicado ao cálculo fracionário, intitulado Cálculo Fracionário, é dos professores Rubens F. Camargo e Edmundo C. de Oliveira, pioneiros do Cálculo Fracionário no Brasil, e foi publicado em 2015. São 329 anos de história desde 1695, mas apenas 50 anos desde 1974 e somente 9 anos desde 2015. Nesse sentido, podemos afirmar que o Cálculo Fracionário é uma área de pesquisa recente.
Até 2023, o banco de dados Scopus continha aproximadamente 11.000 documentos com a palavra-chave “fractional calculus”. O número de trabalhos sobre cálculo fracionário até 1970 era significativamente menor. Estima-se que havia cerca de uma dúzia de artigos publicados sobre o tema até essa data. Até o final da década de 90 do século XX, cerca de 70. Desde 1974, o aumento do número de trabalhos nesta área tem sido expressivo. Apesar disso, muitas questões fundamentais ainda permanecem em aberto e, em geral, não podemos assumir que nossa experiência com uma situação no cálculo de ordem inteira será válida para o cálculo fracionário.”
Leituras Sugeridas:
[1] A critical analysis of the conformable derivative, Nonlinear Dyn (2019) 95:3063–3073. https://doi.org/10.1007/s11071-018-04741-5.
[2] WHY FRACTIONAL DERIVATIVES WITH NONSINGULAR KERNELS SHOULD NOT BE USED, Fract. Calc. Appl. Anal., Vol. 23, No 3 (2020), pp. 610{634, DOI: 10.1515/fca-2020-0032. arXiv:2006.15237v1 [math.CA] 26 Jun 2020.
[3] On the mistake in defining fractional derivative using a non-singular kernel, arXiv:1912.04422v3 [math.CA] 29 Jan 2020.
[4] On chain rule for fractional derivatives. Communications in Nonlinear Science and Numerical Simulation, v. 30, n. 1-3, p. 1-4, 2016. https://doi.org/10.1016/j.cnsns.2015.06.007.
[5] Diethelm, K. Monotonicity of Functions and Sign Changes of Their Caputo Derivatives. FCAA 19, 561–566 (2016). https://doi.org/10.1515/fca-2016-0029.
[6] Tarasov, V. E. (2018). No nonlocality. No fractional derivative. Communications in Nonlinear Science and Numerical Simulation, 62, 157–163. doi:10.1016/j.cnsns.2018.02.019
[7] Du, B., Chen, Y., Wei, Y., Cheng, S. e Wang, Y. (2016). Discussion on extreme points with fractional order derivatives. Proceedings of the 35th Chinese Control Conference. doi:10.1109/chicc.2016.7555022